Ouça este conteúdo
O mercado financeiro reage nesta sexta-feira (19) às críticas feitas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao novo aumento no preço da gasolina e do óleo diesel anunciado pela Petrobras. Em live transmitida na noite de quinta-feira (18) nas redes sociais, o presidente disse que “obviamente” teria consequências uma suposta fala do presidente da estatal, Roberto Castello Branco, de que a greve dos caminhoneiros não tinha relação com a companhia. “Tem que mudar alguma coisa. Vai acontecer”, disse o chefe do Executivo.
A fala se descola do discurso liberal defendido por Bolsonaro durante a campanha presidencial. “Consideramos a declaração negativa para as ações da Petrobras, porque voltamos a ter no radar sinais de interferência do governo na estatal”, diz Regis Chinchila, analista da Terra Investimentos.
Por volta das 11h40, as ações preferenciais da companhia (PETR4) caíam 5,19%, cotadas a R$ 27,75. As ordinárias (PETR3) operavam em queda de 5,98%, em R$ 27,67. Enquanto isso, o Ibovespa – o principal da bolsa brasileira – caía 0,57%, a 118.520 pontos. “O mercado precifica o risco de intervenção do presidente na administração da Petrobras. O investidor tem um pouco de medo, baseado no histórico que já tivemos de intervenções em estatais”, explica Caio Henrique Soares Rodrigues, da Speed Invest.
“O problema que a gente enxerga é ficar de novo com ações mais populistas, tirar da pauta o que realmente interessa e ficar interferindo no mercado, que não deve ser interferido”, comenta Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo Investimentos. “O que a gente está vendo agora é uma saída do papel, um movimento de aguardo para ver o que acontece. E é um movimento que prejudica a bolsa como um todo”, diz Franchini.
O analista lembra que a Petrobras tem um peso grande na composição do índice Ibovespa e que o fluxo de dinheiro estrangeiro diminui em ocasiões como essa. "O estrangeiro vem para o Brasil e foca primeiro nas ações mais líquidas, que dão realização de lucro e saída mais rápida para o portifólio dele. Além disso ele vai olhar as 'blue chips' [grandes companhias], porque eles têm mais detalhes e fundamentos para acompanhar os resultados e comprar esses ativos e, ao mesmo tempo, esses ativos têm grande movimentação no mercado externo porque são grandes exportadores ou importadores”, diz.
Nesta manhã, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), representante do setor, divulgou nota em que defende o livre mercado, sem citar diretamente as declarações de Bolsonaro. No texto, a entidade diz reafirmar “sua defesa de um mercado aberto, competitivo, dinâmico, ético, com segurança jurídica e previsibilidade regulatória”.
“Neste mercado com múltiplos agentes, a dinâmica de preços livres deve ser preservada, com alinhamento à paridade internacional, equilibrando a oferta e a demanda. Os derivados são commodities comercializadas internacionalmente e a paridade traz previsibilidade e transparência ao mercado”, diz a nota do IBP.
A Petrobras não quis comentar as declarações de Bolsonaro.
VEJA TAMBÉM:
Corte de impostos aumenta pressão sobre a situação fiscal do país
Além das críticas à Petrobras, o presidente anunciou, na mesma live, a isenção, por dois meses, do PIS/Cofins sobre o diesel, além do fim dos tributos federais sobre o gás de cozinha de forma permanente. Bolsonaro não indicou, contudo, uma fonte de compensação, conforme determina a Lei de Responsabilidade Fiscal. O Ministério da Economia também não se manifestou sobre o assunto até a publicação desta reportagem.
A medida gera ainda mais pressão sobre a arrecadação do país, o que traz preocupação para o mercado. Segundo estimativa do Itaú BBA, a isenção do imposto sobre o diesel deve gerar uma queda mensal de R$ 1,7 bilhão em arrecadação, ou seja, de R$ 3,4 bilhões nos dois meses de vigência. O corte no tributo sobre o gás custaria mais R$ 1,3 bilhão, aproximadamente.
Apesar disso, Chinchila vê um fator positivo nas declarações. “O corte de imposto pode ser um caminho melhor para os acionistas do que efetivamente alterar a política de reajuste de preços da Petrobras”, comenta o analista da Terra Investimentos.
Na quinta-feira, ao anunciar o aumento dos preços de diesel e gasolina nas refinarias – de R$ 0,34 e R$ 0,23 por litro, respectivamente –, a Petrobras enfatizou que mantém os seus preços alinhados aos do mercado internacional, o que, segundo a estatal “é fundamental para garantir que o mercado brasileiro siga sendo suprido sem riscos de desabastecimento pelos diferentes atores responsáveis pelo atendimento às diversas regiões brasileiras”.
Franchini ressalta que, no mercado internacional, o petróleo já acumula altas que colocam o preço do barril em patamares pré-pandemia. “A demanda está voltando. A queda dos estoques nos Estados Unidos, divulgada na semana passada, foi muito acima do que era esperado”, diz. “O mundo está demandando mais petróleo, o que é normal. Então a Petrobras não tem como não corrigir o preço aqui no Brasil, visto que você tem a questão internacional batendo na porta.”
O analista afirma que, embora o combustível seja encarecido por sua pesada tributação no país, "os estados não têm como pagar essa conta" – Bolsonaro tem cobrado uma redução no ICMS e até enviou ao Congresso projeto de lei para mudar a forma de cobrança do imposto estadual. “É um período de pandemia, então você fica em uma encruzilhada, ao mesmo tempo em que tem que agradar a opinião pública e não pode deixar estourar uma greve de caminhoneiros.”
Para Franchini, as críticas feitas por Bolsonaro em relação a Petrobras apenas aumentam o problema. “É um jogo de xadrez, em que o governo, por meio dessas declarações, não ajuda.”